A garota caminhava com o fone de ouvido no volume mais alto, o garoto saia de cabeça baixa arrumando a gola da camisa, e caminhando em frente sem olhar ao menos um pouco para frente sentiu o esbarrão. Seu tênis branco ficara rosa, cor de morango, e seu rosto vermelho, bravo, fechado, ela levou as mãos a cabeça e já iria abrir a boca para pedir desculpas quando ele soltou o primeiro “berro” uma sequência de gritos atravessou a rua, e ela xingou baixinho esperando que ele não ouvisse, e tentando descobrir por que um garoto de tamanha presença seria tão arrogante. Então, nuvens escuras apontaram no céu, ela apressou o passo e ele entrou em seu carro.
E se deu dessa maneira, mas não entregue de coração, apenas se deixou levar pelo momento, a garota adorava show de rock, o garoto, só ouvia pagodinho, e não abria seus sentimentos para ninguém, era fechado, muitas vezes arrogante, intolerante, mas totalmente imprevisível, ela adorou o sorriso dele, isso quando ele dava um sorriso, mas será que era apenas seu jeito, ou uma mascara de disfarce, mas a menina não deixava de especular, o som alto que ele ouvia deixava claro sua paixão musical, os fones já esquecidos, caídos em seu colo tocavam o som agitado, mas a aquela altura do campeonato nenhum som mais ecoava em lugar algum.
O rapaz lembrava-se da primeira vez que tinha vista aquela garota, do sorvete que ela deixara cair em seu tênis novo, do tanto de coisas que ele disse a ela e de todas as reclamações que fez enquanto atravessava a rua, e lembrava mais ainda da voz nítida dela sussurrando xingamentos e lamentações, ele não se esquecia. E o que estaria ela fazendo ali sentada, olhando tão concentrada para o jogo, seria namorada de algum dos companheiros ou irmã, ele não fazia a mínima ideia só continuava a se alongar ouvindo o seu pagodinho, e fechado sério, como sempre, talvez para quem o observasse arrogante.
Foi quando num piscar de olhos, nuvens escuras apontaram no céu, e a mente dela veio o sorvete, a mente dele, o tênis novo, memórias imediatas, do último dia de chuva, a garota que estava sozinha sentada na arquibancada se deu conta de que o seu trabalho de filosofia estava sem pasta quando o primeiro pingo caiu bem na ponta de seu nariz, o garoto voltava para o vestiário junto aos outros rapazes, sem menos se dar conta de que uma observadora estava ali para vê-lo, só pra isso.
A menina entrou em desespero, não sabia pra onde correr, os pingos já se multiplicavam e a avenida era extensa, a parte da arquibancada não tinha cobertura, o trabalho de filosofia ia literalmente por água abaixo. Um, dois, três, e diversas gotas de chuva molhavam seu pescoço, enquanto ela se curvava para proteger as folhas, com a ideia de que não adiantaria por muito tempo, mas de repente o intervalo as gotas cessaram apenas em volta dela e uma sombra enorme a cobriu. Olhando de baixo pra cima, percebeu as chuteiras meio desamarradas, os meiões abaixo das canelas, os shorts esportivos e a camisa laranja florescente que chamava a atenção durante toda aquela tarde.
O guarda chuva dele foi objeto símbolo de surpresa para ela, não esperava que o garoto arrogante do dia de sol, a protegeria da chuva. Assim, os dois aguardaram alguns segundos atrás do vestiário e nada da chuva parar, ele improvisou um banco com a caixa de cerveja para ela se sentar, e olhou concentrado para dentro de seus olhos, quase que pedindo desculpas pelos berros do dia anterior, ela deu um sorriso que dizia que não foi nada, e por iniciativa própria levantou-se sem se preocupar com os papéis e o agarrou no primeiro salto, com tanta força que o guarda chuva que ele segurava caiu para trás, e aconteceu, ali mesmo, atrás do vestiário, mas uma cena de beijo na chuva, aquele que são mostrados em filmes e novelas, aquele que designa o amor, mas naquele caso era de verdade, o verdadeiro amor, a primeira e segunda vista, ao primeiro beijo, o mais completo amor. E no chão a capa do trabalho, o de filosofia, que naquele momento se tornava cenário da filosofia do amor.
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